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Uma vida felina (1/1)

Updated: Jun 12, 2020


Esta é a autobiografia de uma gata. Por ter tido uma vida muito rica até hoje, Nina di Cotone decidiu dividir a sua história em quatro partes, de acordo com a localização geográfica. Os textos são escritos aos poucos, quando tem tempo livre (quando não está dormindo um sono pesado, cochilando, comendo, tomando banho de sol ou encarando os seus humanos para pedir uma dose de leite).

Eu, JJ, nunca gostei de gatos, mas não resisti aos olhos esbugalhados e orelhas desproporcionalmente grandes de uma gatinha peluda de 1,5 mês, que me foi entregue enrolada num pedaço de pano com um laçarote azul no pescoço. O pano foi para escondê-la da mãe, Bruma, que certamente iria me fazer em pedaços se visse que eu estava levando a filha mais peluda do seu trio. Ela veio dormindo no meu colo dentro do carro – eu ao volante tentando fazer a gata não voar janela afora, ou pelo menos se perder no espaço entre o banco e a porta - e desde então não nos separamos mais.

Nina nunca foi uma gata muito simpática, mas sempre fez sucesso. Não gosta que a toquem, mas adora ficar próxima das visitas quando faço reuniões em casa e tem o dom de sair pela porta da rua quando seria ótimo que ninguém a visse. Ultimamente a nossa vida está bem mais pacata e uma das coisas que faz o coração dela bater mais forte é a hora de entrar na caixinha de areia – não sei o porquê, mas a moda agora é entrar já com cara de quem quer sair, e quando sai, sai em disparada, como se estivesse fugindo de alguma coisa (mas a caixinha está sempre limpa, então não sei qual é o problema).

Completou 15 anos em novembro de 2016, e o plano é fazer mais uns tantos. Afinal, ela sabe que eu preciso dos seus cuidados. Companheira de grandes aventuras, sempre a primeira a dividir os grandes acontecimentos da minha vida, uma gata inesquecível.

PARTE 1 - Rio de Janeiro (Gávea, Rio Comprido, Tijuca e Copacabana)

CAPÍTULO 1 - Gávea

Nasci na zona sul do Rio de Janeiro, no bairro da Gávea. Há quem considere a Gávea como um bairro de passagem, assim como o Jardim Botânico, mas a verdade é que na Gávea existe uma vida noturna bem agitada. Pelo menos foi o que meu pai me contou antes de se jogar pela segunda vez da janela do prédio onde morávamos. Da primeira vez ele veio mancando, da segunda não voltou mais. Dizia a minha mãe que ele não podia ouvir uma gata no cio que ficava louco, algumas vezes escutei os dois discutindo sobre ele passar mais tempo tentando roer a tela de proteção da janela para ir atrás de um rabo de saia do que em casa ajudando a minha mãe a caçar insetos ou a desfiar o sofá.

Meu pai não gostava de falar sobre a infância dele. O que eu sei é que depois de algumas semanas de nascido ele foi deixado na rua e perdeu o contato com a família. Num dia de chuva forte ele se abrigou na entrada da garagem do prédio lá da Gávea e, de repente, um carro parou perto dele e de dentro saiu uma moça loira de olhos claros, enfiou ele dentro do carro e entrou no prédio. Ele disse que ficou maravilhado com o elevador: uma caixa gigante, toda brilhosa, onde tinha um gato que ficava imitando tudo o que ele fazia. Ele disse que sempre via esse gato quando entrava no elevador (as outras viagens foram menos glamorosas, porque geralmente envolviam uma visita ao veterinário), acho que tal o gato era o dono do elevador.

A moça levou ele para casa da minha mãe, Bruma. Além de linda, meu pai pensou que ela devia ser muito rica, porque tinha uma casa inteira, com potes de comida e com três humanos dentro. Nunca tinha ouvido falar de um gato com tantos humanos! Os humanos tratavam-no muito bem, assim como à minha mãe, com mimos, comida e água sempre fresca. Fora as visitas ao veterinário (ele me explicou que os humanos ficam tão preocupados conosco que utilizam esses rituais para se certificarem que vamos viver por muito tempo, para não os deixar sozinhos), a vida era sempre muito tranquila.

Inevitavelmente, meu pai conquistou o coração da minha mãe (que antes de o conhecer encheu todos os pretendentes de... porrada) e ela engravidou de três gatos lindos, sendo eu a mais linda. A JJ (minha humana) concorda comigo quando eu digo que sou a gata mais linda do mundo todo. E vocês vão ver que tenho razão.

Nascemos todos juntos, no meio de uma geleca que a minha mãe lambeu. Os três 100% branquelos, como o meu pai, mas eu era mesmo a cópia dele, pois era a única com os pelos longos. O primeiro a ser limpo foi o Sheik, o meu irmão, depois eu. A Morgana, minha outra irmã, sempre foi muito lerdinha, e nasceu dormindo. Minha mãe achou que ela não estava viva e ignorou-a. Só que aí a moça loira de olhos claros resolveu fazer um tal de Reiki nela e ela acordou. Quando ela acordou eu entendi porque ela era meio lenta, tinha um olho verde e outro azul, e não escutava bem do lado do olho azul. Estava sempre nas nuvens.

Um dia, a moça loira me enrolou num pano e me apertou o pescoço com um laço de fita azul. Não entendi nada! E então apareceu uma humana magrela alta e de cabelos escuros, conversou com a moça loira um tempo e me colocou no colo. Quando olhei a morena nos olhos, entendi tudo! Tinha ganhado a minha própria humana! Achei sensacional. Na maioria dos casos, ter um humano significa ter status e um certo alto nível, mas também já ouvi histórias escabrosas de humanos péssimos. Quando eu vi aquela humana, nunca imaginaria que tinha tirado a sorte grande e que eu um dia a levaria para ver o mundo comigo. Não troco ela por nada.

Ela me chama de Nina. Às vezes me chama de filha (coitada, ela acha que é um gato! Mas eu não tenho coragem de desiludi-la!), cica, sussuca, suzy, bidi, birímbi e por aí vai. Eu chamo ela de Prum (“prrrrprrrprrr”), que significa “querida”. Como a maioria de vocês sabem, nós gatos somos seres sagrados e extremamente evoluídos. Gatos têm três nomes: um que a gente usa com os humanos (são geralmente os nomes mais fáceis, porque os humanos são um pouco limitados às vezes); o segundo nome é o nosso nome felino, pelo qual nos identificamos com os outros gatos; e o terceiro nome não contamos para ninguém e é tão especial quanto as nossas sete vidas. Ou nove, dependendo da nacionalidade do gato. Não é invenção minha não, essas informações são de T. S. Eliot, que foi um grande estudioso dos gatos e escreveu um documentário que viajou o mundo. Prum já assistiu o tal documentário, “Cats”, 4 vezes até hoje (e sabe as músicas de cor...). Não sei como seria a minha vida sem Prum, mas vou contar como tem sido com ela. Preparem-se para grandes aventuras!

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