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Para morar em outro país

Updated: Jun 12, 2020


Desde que eu saí do Brasil, no final de 2010, muita gente me pergunta o que/como/quando/onde eu fiz. Quando eu saí pela primeira vez eu não tinha um plano muito bem definido, só sabia que queria passar um tempo e quiçá a vida toda fora. Os motivos foram vários, mas acho que com dois algumas pessoas poderão se identificar: como dermatologista no Rio eu não me sentia realizada profissionalmente. Estudei ao todo 9 anos para no fim ter dois caminhos a seguir: trabalhar com estética ou ganhar um salário de fome atendendo em hospitais da rede pública (ou uma combinação dos dois). Não era o que eu queria. Além disso, viver no Rio de Janeiro, com um dos metros quadrados mais caros do mundo, para sair do meu prédio rodeado de grades e com porteiros 24h e correr o risco de ser assaltada a caminho da padaria nunca fez muito sentido para mim. Então, resolvi partir para o mundo.

Solteira, sem filhos, sem vínculos profissionais ou financeiros fortes no Brasil, não tive muito trabalho para me deslocar. Não sei como seria se tivesse carregado uma família comigo (ou se tivesse sido carregada pela minha família), mas acho que, como tudo na vida, tudo tem o seu lado bom e o ruim. Sendo sozinha consegui me deslocar sem grandes planejamentos ou dificuldades, mas em compensação a solidão ficou mais palpável. Abaixo coloco alguns pontos com os quais me identifico e que compartilho com outros emigrantes como eu, que encontrei pelas minhas andanças até hoje.

1. Faça as pazes com a solidão. Quando digo solidão não me refiro somente à física; em algumas situações você estará rodeado dos seus novos amigos e eles estarão falando sobre um programa de infância que você nunca viu, sobre como aquele bairro onde vocês estão jantando mudou, sobre o que aconteceu com aquele artista que você não conhece e não te desperta nenhuma emoção ao ouvir falar dele, e por aí vai. A barreira da língua nessa hora é o menor dos seus problemas. No início é sempre mais difícil, só que esse início pode durar meses. Se você for mais jovem e tiver saído para estudar, estará inserido num contexto de grupo e acho que rapidamente terá muito o que fazer com as suas horas livres. Se você for mais velho e sair para trabalhar, vai encontrar pessoas também mais velhas, com família, com relacionamentos longos e estáveis, com quem não vai sair tanto e que, quando sair, frequentemente será para um programa família. Com o tempo você vai fazer a sua rede de amizades, mas se você não souber conviver com você mesmo e só você por um tempo indeterminado, talvez seja melhor planejar muito bem a sua vida antes de entrar no avião.

2. Você vai perder acontecimentos importantes no seu país de origem. Casamentos, falecimentos, nascimentos, formaturas, divórcios, open-houses, inaugurações, festas... e por aí vai. Hoje em dia, com as mídias sociais, não vão faltar lembretes do que você perdeu. Às vezes é possível comprar uma passagem rápida e chegar a tempo, mas muitas vezes não. Você começa a ter que selecionar os eventos para os quais vai, o que pode gerar desconforto na sua rede social ou em você mesmo. Se você sai por um tempo, não é tão difícil. As pessoas entendem que, infelizmente, não será possível viajar 5x em 6 meses. Mas se o plano é morar fora, as situações vão se somando. A menos que a sua intenção seja cortar relações com as suas origens, isso acaba sendo muito delicado e complicado. Com o tempo tudo se encaixa, mas não necessariamente fica mais fácil. Enquanto não conseguirmos viver conscientemente num mundo quântico, onde podemos ocupar dois lugares ao mesmo tempo, esse dilema sempre fará parte da sua vida. Ao mesmo tempo, com a consolidação dos novos relacionamentos onde você está, você vai poder participar de tudo isso com eles.

3. Melhor aceitar que as amizades vão mudar. Algumas se perdem, algumas se fortalecem, outras se mantém por um fio quase invisível, outras se ganham e umas tantas continuam firmes e fortes. Pessoas mais afastadas se aproximam, e as mais próximas que você achava que seriam “para sempre” podem ser as primeiras a se afastar. Como foi você que resolveu sair do lugar, caso queira manter as suas amizades, acho que vale se esforçar para mantê-las, do jeito que funcionar para vocês. Mas entenda que nem todos vão encarar a sua ausência física numa boa, e que alguns relacionamentos são mais físicos mesmo (não digo sexuais, digo físicos no sentido de só funcionar se estiverem perto, fazendo coisas juntos). E lá está você, tentando se adaptar ao lugar novo, ao trabalho/curso novo, às amizades novas e, ao mesmo tempo, tendo que (re)investir naqueles que estão longe. Sim, trabalho dobrado. Mas, se perguntarem a minha opinião, vale muito a pena. Amizades fazem a nossa vida mais feliz e mais completa, e mesmo que não sejam infinitas, nos ajudam a crescer. No início foi muito duro para mim ver algumas pessoas se afastarem, mas hoje em dia eu encaro de uma forma diferente. Porque saiu não significa que nunca mais vai voltar. Porque entrou não significa que nunca mais vai sair. Se relacionar de coração mais aberto e com menos cobranças e expectativas talvez seja um efeito colateral dessa sua empreitada.

4. Tenha uma mente aberta. As pessoas em países/culturas diferentes da sua terão costumes e regras diferentes dos seus. Ter uma mente aberta inclui ter que conviver com e aceitar pessoas de mente fechada. Sim, porque você não pode se esquecer que foi você quem se mexeu, e não as pessoas do lugar novo. Mesmo que tenha sido convidado para se mudar, vai ser preciso aceitar que o mundo não gira em torno de você e que você terá que se adaptar. Não digo com isso mudar de personalidade, mas simplesmente dançar conforme a música. Não adianta dizer que porque na sua cultura se comemora o Natal, todos os seus novos vizinhos terão que aceitar você decorar o exterior da sua casa com luzes e mini-árvores cheias de enfeites, não é bem assim. É como ir a Marrocos e querer respeitar os sinais de trânsito, não vai sair do lugar; é melhor se juntar à multidão. É como ir à praia de Ipanema e querer fazer nudismo, sempre se corre o risco de ser preso, ou pelo menos ser olhado torto por dezenas de pessoas.

5. Saiba começar do zero ou quase. Quando você sai do seu país, não é incomum ter que voltar atrás profissionalmente. A menos que, novamente, você saia para estudar alguma coisa. Os currículos dificilmente são equivalentes, sendo que alguns cursos nem reconhecidos são, ou nem existem nos diferentes países. Mesmo que você vá trabalhar na sua área, também não são incomuns histórias de professores universitários que têm que fazer provas básicas e ficar um tempo sendo supervisionados até poderem voltar ao nível de antes. Tem que ter humildade e paciência, além de perseverança. Se a sua aventura for temporária, fica mais fácil. Se os planos são emigrar/imigrar definitivamente, aconselho muita meditação.

6. Saia da sua zona de conforto. Em certas situações, como a que eu vivi em Portugal, você tem inverter a ordem das coisas: depois de terminada a especialidade em dermatologia, tive que voltar a trabalhar como clínica geral. Para os que não fizeram medicina, isso pode parecer um problema de primeiro mundo, como dizemos na Austrália. Mas não é bem assim. Depois de 5 anos de formada me vi numa situação em que precisava tratar infarto do miocárdio, investigar dor abdominal e saber prescrever medicamentos para diabetes. Ou seja, a vida das pessoas estava nas minhas mãos e eu não estudava nada disso há 5 anos. Além do mais, como acabei voltando a estudar esses assuntos para não prejudicar ninguém, fui me afastando mais e mais da dermatologia, enquanto os meus amigos dermatologistas avançavam nas suas carreiras. Acho que qualquer um que tenha um trabalho especializado pode se identificar com essa situação. Por isso, um plano mais definido é muito importante. Te dá base para aguentar o tranco e uma luz no fim do túnel. Escuto de muitas pessoas que querem sair do país onde estão a qualquer custo para fazer qualquer coisa. Se já é difícil ficar na mesma grande área, imagine mudar a sua vida completamente, sem perspectivas a longo prazo. Não digo que não pode ser feito, mas você é quem tem que saber se tem capacidade de passar por isso numa boa ou não.

7. Tenha cuidado com estereótipos. Antes de sair do meu mundinho, eu sempre escutei as pessoas falando isso e aquilo daquele e do outro país. Eu também falava, baseada em notícias de jornais, livros de história e fotos de viagens. Mas viver num lugar diferente não é o mesmo que visitar por um tempo nem que estudar em livros de história. Ainda assim, o ser humano é igual em qualquer lugar do planeta Terra. Demonstrações diferentes, compreensões diferentes, sem dúvida, mas somos todos iguais. Todos Homo (às vezes pouco) sapiens. Amor, amizade, lealdade, compaixão, solidariedade, raiva, inveja, desdém e todos os demais sentimentos podem ser vistos em todos e fica mais fácil se estivermos preparados para aceitar o outro. E se proteger do outro também, não tem jeito. Vi uma cena em Amsterdã que achei tão contrastante que tento sempre pensar nela quando fico desorientada: um prédio de 2 ou 3 andares no distrito da luz vermelha, com uma prostituta seminua no andar de baixo, numa vitrine que era a parede inteira do cômodo onde ela estava e, no andar logo acima dela, uma sala de jantar com o que parecia ser o pai, a mãe e o filho de menos de 10 anos de idade sentados à mesa. Não dá para dizer que todos os holandeses são liberais e nem que todos têm famílias deliciosas como aquela. Sou brasileira e não acompanho futebol. Cada um com o seu cada um.

8. Seja proativo. Ninguém, absolutamente ninguém vai chegar para você com um “pacote emigração/imigração” para você colocar dentro da mala e magicamente resolver a sua vida. Algumas pessoas podem certamente te ajudar, passar a experiência delas, dar dicas muito úteis, mas não vão fazer as coisas por você. Para isso existem empresas a quem você paga, ou a empresa para onde você trabalha que vai ter que resolver as burocracias, pelo menos. Mas ninguém vai te levar para jantar e te apresentar a um grupo de pessoas que tem tudo a ver com você e que serão os seus melhores amigos daí em diante, não vão colocar à venda os produtos com os quais você está acostumado e não vão passar o resto da vida delas tentando fazer você se sentir em casa, até porque a maioria nem vai saber o que isso representa. Você pode ser ajudado com uma série de coisas, mas o dia-a-dia é todo seu, para você fazer dele o que quiser. Por mais que a iniciativa de se mudar não tenha sido sua, você aceitou. E, se a iniciativa foi sua, ninguém pediu para que você assim o fizesse. Mesmo que conheça pessoas na mesma situação que você, cada um tem a sua bagagem e as suas qualidades e defeitos, o que leva a experiências diferentes. Alem disso, as pessoas do país novo não entendem grande parte dos seus problemas e, infelizmente, as pessoas do país de onde saiu também já não. Sair do seu país é, mais que tudo, tomar as rédeas da sua vida, de uma forma tão óbvia que não tem muito como se esconder de si mesmo. Por isso, vá à luta e encare a nova vida com tudo de bom e ruim que ela tem para oferecer. E... seja feliz!

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