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Não vamos falar sobre isso. Ou vamos?

Updated: Jun 12, 2020


Recentemente houve uma exposição de arte no Brasil que foi cancelada por ser considerada pornográfica, com alusão à pedofilia e zoofilia. Eu estou inscrita em alguns canais do YouTube onde esse assunto foi abordado em vários vídeos e recebi inúmeras mensagens no WhatsApp de amigos e familiares, a maioria deles indignados e chocados. Como sempre, me pus a pensar sobre esse assunto e o meu pensamento divagou para outras áreas, dando origem a este texto.

Não quero e nem tenho condições de dissertar sobre a tal exposição porque não sou educadora, artista, mãe e porque também não sou masoquista, pois uma discussão destas é longa, controversa e eu nem sempre tenho uma posição 8 ou 80 sobre as coisas (pelo menos não mais e nem por enquanto), mas vou tentar falar um pouco sobre censura (externa e interna).

Muitos assuntos são tabus na nossa sociedade e/ou no nosso núcleo familiar, ou seja, proibidos ou intensamente rejeitados. Muitas vezes não é uma proibição formal, passível de punição objetiva, mas sempre são objetos de uma punição psicológica. Nos fazem sentir mal, errados, insensíveis ou desajustados, muitas vezes só de pensar. Quando eventualmente conseguimos vocalizar esses assuntos, somos mal recebidos pelas pessoas ao nosso redor, o que acaba fazendo com que não falemos mais sobre "aquilo". Mas isso significa que paramos de pensar ou sentir? Muitas vezes, não.

Quando reprimimos algum assunto tabu, duas reações (dentre as talvez várias, mas não estudo isso) me vêm logo à mente: pensamos insistentemente na negativa, ou seja, não posso fazer isso, não posso ser assim, não posso sentir isso, não posso pensar nisso, o que acaba fazendo com que façamos, sejamos, sintamos ou pensemos com frequência para tentar parar (confuso e cansativo), ou então assumimos isso para nós mesmos, damos asas à imaginação, mas escondemos isso do nosso círculo social e acabamos vivendo uma "vida dupla" (confuso e cansativo). Na verdade acho que existe ainda uma terceira, que é tornar o tabu algo desejável, justamente por ser proibido, e isso às vezes pode levar a comportamentos desafiadores e por vezes até perigosos (ou, no mínimo, fazer com que procuremos informação através de fontes que nem sempre serão confiáveis, já que não podemos falar com as pessoas em quem confiamos).

Hoje em dia, mais do que nunca, eu sou a favor de desmistificar e simplificar as coisas. Não falar sobre um assunto não vai fazer com que ele desapareça, não vai fazer com que você o esqueça e consequentemente não vai ajudar ninguém. Talvez a curto prazo sim, mas a longo prazo, em algum momento, aquilo vai ter que se manifestar, de uma forma ou de outra. É como ter uma bexiga e jogar uma gota de água por dia; vai levar um tempão (não sei quanto tempo, os físicos são os mais qualificados para fazer essa estimativa de uma forma precisa mas, só para efeito de ilustração, vamos dizer que vai levar 2 anos), mas eventualmente a bexiga vai explodir ou começar a jogar água pra fora. De qq forma, explodindo ou aos poucos, tudo aquilo que a gente estava tentando sufocar virá à tona e no fim das contas só teremos perdido 2 anos da nossa vida e mais um tempo futuro pra organizar a bagunça que a explosão ou o transbordamento causou.

Alguns assuntos são mais pesados do que gotas d'água, claro. Talvez seja alguma coisa que seja muito difícil ou até mesmo doído para conversar com alguém que faça parte do nosso dia-a-dia, mas para isso existem profissionais que podem nos ajudar (a nos ajudarmos). Mas redirecionar essas gotas e ter a capacidade de transformá-las (em arco-íris, quem sabe?) é essencial e saudável, ajuda a nós mesmos, a quem nos ama e provavelmente a muitas outras pessoas, direta ou indiretamente. Expondo os nossos tabus temos a chance de encará-los de frente e às vezes só isso já nos ajuda a enxergar que ele não é preto no final das contas, mas só azul-escuro. Além disso, nos dá a oportunidade de ir jogando um pouquinho de branco, amarelo, verde, até que fique da cor que a gente quer (ou pelo menos muito próximo dela). Da mesma forma, deixar os ouvidos e o coração aberto para escutar o tabu dos outros pode fazer com que acendamos uma luzinha no canto da sala que vai iluminar um ponto-chave da cor do outro, revelando um laranja brilhante que ninguém sabia que estava ali. Ou pelo menos jogar um pouquinho da nossa cor no tabu alheio e aos poucos deixar a vida do outro (e muito provavelmente a nossa também) mais colorida. E, desse jeito, um dia, quase sem perceber, faremos todos parte de um grande arco-íris.

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